segunda-feira, 16 de julho de 2018

Biomecânica aplicada ao futebol - Copa do Mundo de Futebol de 2018: Uma Nova Visão na Prevenção de Lesões no Futebol

Uma Nova Visão na Prevenção de Lesões no Futebol: Só a Biomecânica Importa?
Por Gustavo Leporace
Mestre e Doutor em Engenharia Biomédica (COPPE/UFRJ)
Diretor Técnico da Biocinética
Coordenador de Pesquisas do Instituto Brasil de Tecnologias da Saúde
 

Como temos observado na Copa do Mundo 2018, na Rússia, uma grande incidência de lesões atinge o futebol profissional, com uma média de 8 lesões a cada 1000 horas de exposição, sendo que cada jogador apresenta, aproximadamente, 2 lesões por temporada (Ekstrand et al., 2011). Uma série de estudos do grupo de pesquisas da UEFA e FIFA (Ekstrand et al., 2013b) encontrou que os times que alcançam maior sucesso nas ligas europeias nacionais e internacionais são aqueles que possuem menos jogadores afastados dos campos devido a uma lesão (Ekstrand et al., 2013c). Financeiramente, estima-se que um jogador titular lesionado de times participantes da Liga dos Campeões da Europa custa ao clube em torno de €500.000,00 a €600.000,00 por mês, o que equivale a cerca de €17.000,00 a €20.000,00 por dia (Ekstrand et al., 2013a).
Logo, a importância da prevenção de lesões é eminente nos dias de hoje. Consequentemente, precisamos entender todo o prisma que envolve a identificação dos riscos para os atletas se lesionarem, composto por um espectro multifatorial, e não apenas biomecânicos. À luz do conhecimento atual, os principais fatores de risco descritos na literatura podem ser divididos em fatores externos e internos. Os fatores externos mais descritos na literatura são o volume e intensidade de treino e sua relação aguda:crônica (acute:chronic worload ratio) (McCall et al., 2018), pequena recuperação entre jogos e histórico de lesões prévias (Wálden et al., 2018). Os fatores internos estão relacionados principalmente às variáveis biomecânicas dos jogadores durante diversas tarefas motoras. Entre os principais fatores de risco encontram-se o valgismo dinâmico (Figura 1) para lesões no Ligamento Cruzado Anterior em mulheres (O’Kane et al., 2017) e a flexão insuficiente do tronco e quadril (Figure 2) para Tendinopatias Patelares após aterrissagens em homens (Read et al., 2016). Com o aumento das evidências de fatores de risco relacionados aos padrões de movimento, a avaliação biomecânica tem ganhado importância nos clubes de futebol profissional (Figura 3), assumindo papel fundamental na identificação dos fatores de risco internos, anteriormente dominado pelo uso das avaliações de forças/torque em dinamômetros isocinéticos.
No entanto, é importante salientar que as disfunções de movimento são tarefa-dependentes (Rabelo & Lucareli et a., 2018) e, por isso, a escolha dos testes corretos parece ser fundamental para identificação adequada de comportamentos de risco (Krosshaug et al., 2016). No caso do futebol, testes de saltos unilaterais com deslocamentos verticais, horizontais e corridas com máxima velocidade com mudança de direção devem ter preferência a testes menos intensos, como agachamentos unipodais (step-down) e saltos bilaterais (drop vertical jump), visto que os primeiros parecem induzir o aparecimento dos fatores descritos anteriormente (Krosshaug et al., 2016; Leporace et al., 2018).
 
Figura 1: Valgismo dinâmico do membro esquerdo de jogador de futebol profissional durante aterrissagem de um salto vertical unilateral. Imagem cedida pela clínica Biocinética.
Figura 2: Flexão insuficiente do tronco e quadril esquerdo de jogador de futebol profissional durante aterrissagem de um salto vertical unilateral. Imagem cedida pela clínica Biocinética.

Figura 3: Avaliação biomecânica de jogador profissional de futebol.















Apesar do crescimento do uso de análises biomecânicas dentro do ambiente do futebol profissional, um ponto deve ser levado em consideração na interpretação dos resultados desses testes: Lesões ortopédicas esportivas possuem um caráter multifatorial e complexo (de natureza não linear) (Bolling et al., 2018). A maioria dos estudos disponíveis na literatura foram realizados para identificação dos fatores de risco isolados e de forma linear (regressões lineares múltiplas e regressões logísticas) e dessa forma, não se sabe ao certo como todos os fatores internos e externos interagem entre si para a ocorrência das lesões. Dessa forma, a identificação de disfunções de movimento e correções das mesmas em atletas de futebol deve ser realizada com cautela ainda por desconhecermos o potencial efeito dessas estratégias de treinamento no risco de lesões futuras.
REFERÊNCIAS
Bolling C, van Mechelen W, Pasman HR, Verhagen E. Context Matters: Revisiting the First Step of the 'Sequence of Prevention' of Sports Injuries. Sports Med. 2018. Ahead of print.

Ekstrand J. Keeping your top players on the pitch: the key to football medicine at a professional level. Br J Sports Med, 2013;47:723–4.

Ekstrand J, Dvorak J, D’Hooghe M. Sport medicine research needs funding: the International football federations are leading the way. Br J Sports Med, 2013; 47:726–728.

Ekstrand J, Hägglund M, Waldén M. Injury incidence and injury patterns in professional football: the UEFA injury study. Br J Sports Med. 2011;45(7):553-8.

Hägglund M, Waldén M, Magnusson H, et al. Injuries affect team performance negatively in professional football: an 11-year follow-up of the UEFA Champions League Injury Study. Br J Sports Med, 2013;47:738–42.

Krosshaug T, Steffen K, Kristianslund E, Nilstad A, Mok KM, Myklebust G, Andersen TE, Holme I, Engebretsen L, Bahr R.The Vertical Drop Jump Is a Poor Screening Test for ACL Injuries in Female Elite Soccer and Handball Players: A Prospective Cohort Study of 710 Athletes. Am J Sports Med. 2016 Apr;44(4):874-83.

Leporace G, Tannure M, Zeitoune G, Metsavaht L, Marocolo M, Souto Maior A. Association between knee-to-hip flexion during a single leg vertical landings, and strength and range of motion in professional soccer players. Sports Biomechanics, 2018, ahead of print.

McCall A, Dupont G, Ekstrand J.Internal workload and non-contact injury: a one-season study of five teams from the UEFA Elite Club Injury Study. Br J Sports Med. 2018 Ahead of print.

O'Kane JW, Neradilek M, Polissar N, Sabado L, Tencer A, Schiff MA. Risk Factors for Lower Extremity Overuse Injuries in Female Youth Soccer Players. Orthop J Sports Med. 2017; 23;5(10).

Rabelo NDDA, Lucareli PRG.Do hip muscle weakness and dynamic knee valgus matter for the clinical evaluation and decision-making process in patients with patellofemoral pain? Braz J Phys Ther. 2018;22(2):105-109.

Read, P. J., Oliver, J. L., De Ste Croix, M. B., Myer, G. D., & Lloyd, R. S. (2016). Neuromuscular risk factors for knee and ankle ligament injuries in male youth soccer players. Sports Medicine, 46, 1059–1066.

Waldén M, Hägglund M, Bengtsson H, Ekstrand J. Perspectives in football medicine. Unfallchirurg. 2018;121(6):470-474.

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