domingo, 22 de julho de 2018

Biomecânica aplicada ao futebol - Copa do Mundo de Futebol de 2018: ASPECTOS BIOMECÂNICOS DA LESÃO MUSCULAR DE ISQUIOTIBIAIS NO FUTEBOL

Bruno M Baroni
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)
Grupo de Ciência no Esporte & Exercício (GCEE) 

Foram necessários menos de 25 minutos do jogo de abertura da Copa do Mundo FIFA – Rússia 2018 para que Alan Dzagoev, um dos destaques da seleção anfitriã, se tornasse o primeiro atleta do torneio a sofrer a famigerada “lesão no músculo posterior da coxa” (Figura 1). Ao longo da competição, a lista de lesionados foi reforçada por nomes de peso, como o brasileiro Douglas Costa e o uruguaio Edinson Cavani. A lesão muscular de isquiotibiais (também conhecida como “distensão” ou “estiramento” muscular) é a lesão de não-contato mais frequente no futebol profissional masculino [1]. Para se ter uma ideia do tamanho do problema: uma equipe de elite do futebol europeu costuma ter 5 a 6 atletas com pelo menos uma lesão de isquiotibiais a cada temporada, sendo que 54% das lesões os afastam dos gramados por períodos entre 8 e 28 dias [2]. Além do impacto negativo sobre a saúde e a carreira dos jogadores, essas lesões causam prejuízos ao desempenho da equipe nas competições e às finanças do clube [3].


Figura 1. Alan Dzagoev, da Rússia, sofreu lesão muscular de isquiotibiais no jogo de abertura da Copa do Mundo 2018.

Entre 60% e 80% das lesões musculares de isquiotibias no futebol ocorrem durante a corrida em alta velocidade [4, 5]. O terço final da fase de balanço parece ser o ponto crítico, quando as fibras dos músculos isquiotibiais estão em comprimentos mais alongados e são recrutadas excentricamente para frear o movimento combinado de flexão de quadril e extensão de joelho [6]. Uma vez que a maioria das lesões de isquiotibais acontece sem ação de forças externas provenientes do contato físico com outros atletas (Animação 1), a comunidade científica tem dado grande atenção aos fatores intrínsecos associados a essa lesão. Idade avançada e lesões prévias são fatores de risco não-modificáveis bem aceitos na literatura [7], ao passo que a influência genética está em processo de consolidação [8]. Porém, o principal foco da prevenção recai sobre os fatores que podem ser alterados por meio de intervenções específicas. Nesse sentido, apesar de não existir um consenso entre os pesquisadores, estudos prospectivos têm encontrado uma maior propensão de atletas de futebol sofrerem lesões musculares de isquiotibiais quando apresentam:
- Déficit de força excêntrica dos músculos isquiotibiais [5, 9];
- Desequilíbrio de força na razão isquiotibiais/quadríceps [9, 10];
- Déficit de flexibilidade da cadeia posterior [11, 12];
- Reduzido comprimento de fascículos do músculo bíceps femoral [5];
- Déficit de ativação da musculatura estabilizadora de tronco [13].


Animação 1. A corrida em alta velocidade é o principal mecanismo gerador da lesão muscular de isquiotibiais no futebol.

A fadiga muscular também é um fator de risco muito valorizado por profissionais que atuam nos departamentos médicos de clubes de futebol do Brasil [14] e do exterior [15]. As demandas do jogo promovem uma redução significativa na força excêntrica de isquiotibiais, mas não do quadríceps, o que agrava o desequilíbrio entre esses grupos musculares ao longo de uma partida [16]. O músculo fatigado apresenta decréscimo da capacidade de absorver energia mecânica antes da ruptura [17], aumentando sua suscetibilidade à lesão. Além disso, a fadiga reduz o senso de posição articular [18] e prejudica a execução de gestos motores específicos do futebol [19]. Essa alteração de comportamento motor pode levar a sobrecargas potencialmente danosas à musculatura isquiotibial. Em conjunto, esses aspectos ajudam a explicar o fato de a maior parte das lesões musculares de isquiotibiais ocorrerem durante os 15 minutos finais de cada tempo em uma partida de futebol [4].
        Dada a complexidade e característica multifatorial da lesão muscular de isquiotibiais, raciocínios reducionistas de relação causa-efeito devem ser evitados. Calendário competitivo [20], carga de treinamento [21], características psicológicas [22] e até mesmo o tipo de liderança do treinador [23] são alguns dos outros fatores relacionados à lesão. Porém, é interessante notar que os fatores de risco aqui abordados são provenientes de medidas puramente biomecânicas, como força, torque, ângulo, arquitetura e ativação muscular. Isso não deve conduzir ao erro de simplesmente levar o atleta ao laboratório e submetê-lo a inúmeros testes em dispositivos de dinamometria, ultrassonografia, eletromiografia, cinemetria, etc. Antes de mais nada, devemos assegurar que os dados possam ser fidedignamente coletados, analisados de forma adequada, interpretados por quem conhece o real significado dos valores obtidos e, sobretudo, convertidos em informações compreensíveis e com aplicação prática para os profissionais da saúde que trabalham no futebol.



Referências:

 1. Bahr R, Clarsen B, Ekstrand J. Why we should focus on the burden of injuries and illnesses, not just their incidence. Br J Sports Med. 2017 [ahead of print]
2. Ekstrand J, Waldén M, Hägglund M. Hamstring injuries have increased by 4% annually in men’s professional football, since 2001: A 13-year longitudinal analysis of the UEFA Elite Club injury study. Br J Sports Med. 2016;50(12):731–7.
3. Ekstrand J. Keeping your top players on the pitch: The key to football medicine at a professional level. Br J Sports Med. 2013;47(12):723–4.
4. Woods C, Hawkins RD, Maltby S, Hulse M, Thomas A, Hodson A; Football Association Medical Research Programme. The Football Association Medical Research Programme: an audit of injuries in professionalfootball--analysis of hamstring injuries. Br J Sports Med. 2004;38(1):36-41.
5. Timmins RG, Bourne MN, Shield AJ, Williams MD, Lorenzen C, Opar DA. Short biceps femoris fascicles and eccentric knee flexor weakness increase the risk of hamstringinjury in elite football (soccer): a prospective cohort study. Br J Sports Med. 2016;50(24):1524-1535.
6. Heiderscheit BC, Sherry MA, Silder A, Chumanov ES, Thelen DG. Hamstring strain injuries: recommendations for diagnosis, rehabilitation, and injury prevention. J Orthop Sports Phys Ther. 2010;40(2):67-81.
7. Opar DA, Williams MD, Shield AJ. Hamstring strain injuries: factors that lead to injury and re-injury. Sports Med. 2012;42(3):209-26.
8. Pruna R, Artells R, Lundblad M, Maffulli N. Genetic biomarkers in non-contact muscle injuries in elite soccer players. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2017;25(10):3311-3318.
9. Lee JWY, Mok KM, Chan HCK, Yung PSH, Chan KM. Eccentric hamstring strength deficit and poor hamstring-to-quadriceps ratio are risk factors for hamstring strain injury in football: A prospective study of 146 professional players. J Sci Med Sport. 2018;21(8):789-793.
10. Croisier JL, Ganteaume S, Binet J, Genty M, Ferret JM. Strength imbalances and prevention of hamstring injury in professional soccer players: a prospective study. Am J Sports Med. 2008;36(8):1469-75.
11. Witvrouw E, Danneels L, Asselman P, D'Have T, Cambier D. Muscle flexibility as a risk factor for developing muscle injuries in male professional soccerplayers. A prospective study. Am J Sports Med. 2003;31(1):41-6.
12. Henderson G, Barnes CA, Portas MD. Factors associated with increased propensity for hamstring injury in English Premier League soccer players. J Sci Med Sport. 2010;13(4):397-402.
13. Schuermans J, Danneels L, Van Tiggelen D, Palmans T, Witvrouw E. Proximal Neuromuscular Control Protects Against Hamstring Injuries in Male Soccer Players: A Prospective Study With Electromyography Time-Series Analysis During Maximal Sprinting. Am J Sports Med. 2017;45(6):1315-1325.
14. Meurer MC, Silva MF, Baroni BM. Strategies for injury prevention in Brazilian football: Perceptions of physiotherapists and practices of premier league teams. Phys Ther Sport. 2017;28:1-8.
15. McCall A, Carling C, Nedelec M, Davison M, Le Gall F, Berthoin S, Dupont G. Risk factors, testing and preventative strategies for non-contact injuries in professional football: current perceptions and practices of 44 teams from various premier leagues. Br J Sports Med. 2014;48(18):1352-7.
16. Small K, McNaughton L, Greig M, Lovell R. The effects of multidirectional soccer-specific fatigue on markers of hamstring injury risk. J Sci Med Sport. 2010;13(1):120-5.
17. Mair SD, Seaber A V., Glisson RR, Garrett WE. The role of fatigue in susceptibility to acute muscle strain injury. Am J Sports Med. 1996;24(2):137-43.
18. Gear WS. Effect of different levels of localized muscle fatigue on knee position sense. J Sport Sci Med. 2011;10(4):725-30
19. Kellis E, Katis A, Vrabas IS. Effects of an intermittent exercise fatigue protocol on biomechanics of soccer kick performance. Scand J Med Sci Sport. 2006;16(5):334-44.
20. Bengtsson H, Ekstrand J, Hägglund M. Muscle injury rates in professional football increase with fixture congestion: an 11-year follow-up of the UEFA Champions League injury study. Br J Sports Med. 2013;47(12):743-7.
21. McCall A, Dupont G, Ekstrand J. Internal workload and non-contact injury: a one-season study of five teams from the UEFA Elite Club Injury Study. Br J Sports Med. 2018 [ahead of print]
22. Slimani M, Bragazzi NL, Znazen H, Paravlic A, Azaiez F, Tod D. Psychosocial predictors and psychological prevention of soccer injuries: A systematic review and meta-analysis of the literature. Phys Ther Sport. 2018;32:293-300.
23. Ekstrand J, Lundqvist D, Lagerbäck L, Vouillamoz M, Papadimitiou N, Karlsson J. Is there a correlation between coaches' leadership styles and injuries in elite football teams? A study of 36 elite teams in 17 countries. Br J Sports Med. 2018;52(8):527-531.
 

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