Uma Nova Visão na Prevenção de Lesões no
Futebol: Só a Biomecânica Importa?
Por
Gustavo Leporace
Mestre e Doutor em Engenharia Biomédica
(COPPE/UFRJ)
Diretor Técnico da Biocinética
Coordenador de Pesquisas do Instituto
Brasil de Tecnologias da Saúde
Como
temos observado na Copa do Mundo 2018, na Rússia, uma grande incidência de
lesões atinge o futebol profissional, com uma média de 8 lesões a cada 1000
horas de exposição, sendo que cada jogador apresenta, aproximadamente, 2 lesões
por temporada (Ekstrand et al., 2011). Uma série de estudos do grupo de
pesquisas da UEFA e FIFA (Ekstrand et al., 2013b) encontrou que os times que
alcançam maior sucesso nas ligas europeias nacionais e internacionais são
aqueles que possuem menos jogadores afastados dos campos devido a uma lesão (Ekstrand
et al., 2013c). Financeiramente, estima-se que um jogador titular lesionado de
times participantes da Liga dos Campeões da Europa custa ao clube em torno de
€500.000,00 a €600.000,00 por mês, o que equivale a cerca de €17.000,00 a €20.000,00
por dia (Ekstrand et al., 2013a).
Logo,
a importância da prevenção de lesões é eminente nos dias de hoje.
Consequentemente, precisamos entender todo o prisma que envolve a identificação
dos riscos para os atletas se lesionarem, composto por um espectro
multifatorial, e não apenas biomecânicos. À luz do conhecimento atual, os
principais fatores de risco descritos na literatura podem ser divididos em
fatores externos e internos. Os fatores externos mais descritos na literatura
são o volume e intensidade de treino e sua relação aguda:crônica (acute:chronic
worload ratio) (McCall et al., 2018), pequena recuperação entre jogos e
histórico de lesões prévias (Wálden et al., 2018). Os fatores internos estão
relacionados principalmente às variáveis biomecânicas dos jogadores durante
diversas tarefas motoras. Entre os principais fatores de risco encontram-se o
valgismo dinâmico (Figura
1) para lesões no
Ligamento Cruzado Anterior em mulheres (O’Kane et al., 2017) e a flexão
insuficiente do tronco e quadril (Figure
2) para Tendinopatias
Patelares após aterrissagens em homens (Read et al., 2016). Com o aumento das evidências de fatores de risco
relacionados aos padrões de movimento, a avaliação biomecânica tem ganhado
importância nos clubes de futebol profissional (Figura 3),
assumindo papel fundamental na identificação dos fatores de risco internos,
anteriormente dominado pelo uso das avaliações de forças/torque em dinamômetros
isocinéticos.
No entanto, é importante
salientar que as disfunções de movimento são tarefa-dependentes (Rabelo
& Lucareli et a., 2018) e, por isso, a escolha
dos testes corretos parece ser fundamental para identificação adequada de
comportamentos de risco (Krosshaug et al., 2016). No caso do futebol, testes de
saltos unilaterais com deslocamentos verticais, horizontais e corridas com
máxima velocidade com mudança de direção devem ter preferência a testes menos
intensos, como agachamentos unipodais (step-down) e saltos bilaterais (drop
vertical jump), visto que os primeiros parecem induzir o aparecimento dos
fatores descritos anteriormente (Krosshaug et al., 2016; Leporace et al., 2018).
Figura 1: Valgismo dinâmico do membro
esquerdo de jogador de futebol profissional durante aterrissagem de um salto
vertical unilateral. Imagem cedida pela clínica Biocinética.
Figura 2: Flexão insuficiente do
tronco e quadril esquerdo de jogador de
futebol profissional durante aterrissagem de um salto vertical unilateral.
Imagem cedida pela clínica Biocinética.
Figura 3: Avaliação biomecânica de jogador profissional de futebol.
Apesar do crescimento do
uso de análises biomecânicas dentro do ambiente do futebol profissional, um
ponto deve ser levado em consideração na interpretação dos resultados desses
testes: Lesões ortopédicas esportivas possuem um caráter multifatorial e
complexo (de natureza não linear) (Bolling et al., 2018). A maioria dos estudos
disponíveis na literatura foram realizados para identificação dos fatores de
risco isolados e de forma linear (regressões lineares múltiplas e regressões
logísticas) e dessa forma, não se sabe ao certo como todos os fatores internos
e externos interagem entre si para a ocorrência das lesões. Dessa forma, a
identificação de disfunções de movimento e correções das mesmas em atletas de
futebol deve ser realizada com cautela ainda por desconhecermos o potencial
efeito dessas estratégias de treinamento no risco de lesões futuras.
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